O Uso de uma Estratégia de Operações para Vencer Gigantes (como na fábula) - Um Caso na Indústria Cervejeira

Maria Rita Pontes Assumpção Alves

Professora DEP/UFSCar ; Doutoranda en Engenharia de Produção POLI/USP

Caixa Postal 676 - CEP 13565-905 São Carlos SP; E-mail: dmrp@power.ufscar.br

Sergio Azevedo Fonseca

UNESP - e-mail: fonseca.jau@netsite.com.br

Abstract

O estudo apresentado neste trabalho pretende contribuir para a compreensão da nova realidade empresarial, frente aos cenários globais de competitividade. Trata-se de uma análise da evolução e consolidação, num curto espaço de tempo (15 anos), de uma empresa (Kaiser) na indústria e no mercado cervejeiro brasileiros, utilizando - como importante elemento competitivo - sua capacitaçâo em operações.

Introdução

Os novos cenários globais de competitividade impõem crescente importância ao papel a ser desempenhado pela estratégia de operações no contexto da estratégia da empresa. Este direcionamento é justificado pela busca de custos menores, inovação e melhoria da qualidade - para ter-se produtos mais competitivos, e agilização de processos - para aumentar o nível de serviço aos clientes, sejam internos ou externos à empresa.

A anterior noção restritiva da manufatura, fechada em si e desvinculada das demais funções da empresa, vai cedendo lugar, progressivamente, à uma noção mais amplia onde decisões na manufatura considera e são consideradas em decisões relacionadas a outras áreas funcionais: logística, suprimento, gestão de recursos humanos e, até mesmo, relacionamento com clientes e fornecedores. As operações deixam de ser coadjuvantes passivas para a consecução da estratégia organizacional, assumindo um caráter de recurso estratégico, ou seja, uma fonte de energia organizacional por si mesma, além de ampliar a contribuição a outras funções organizacionais (Dyer, 1996).

O estudo apresentado neste trabalho pretende contribuir para a compreensão dessa nova realidade empresarial. Trata-se de uma análise da evolução e consolidação, num curto espaço de tempo (15 anos), de uma empresa na indústria e no mercado cervejeiro brasileiros, utilizando - como importante elemento competitivo - sua capacitação em operações. A organização enfocada é a Cervejaria Kaiser que, desde a sua criação, em 1982, alcançou mercado nacional do produto, competindo num setor altamente concentrado e dominado por duas tradicionais empresas, a Brahma e a Antarctica. A análise foi baseada em visitas à unidade de Araraquara (SP) e entrevistas com gerentes de qualidade e de logística.

Após a apresentação do referencial teórico, o estudo inicia com a contextualização da empresa na indústria cervejeira, apresentando a seguir um breve histórico da organização e as principais estratégias adotadas ao longo de sua trajetória. Na seqüência é analisada uma de suas mais novas fábricas, a unidade situada em Araraquara. A contraposição entre diferentes empresas da indústria cervejeira baseia-se no que Wheelwright & Hayes (1995) definem como a trajetória pela qual uma empresa venha a considerar a estratégia de manufatura como diferencial competitivo.

A afinidade do objeto estudado com a fábula pode não ser completa. Lá, o anão derrota o gigante. Aqui, o pequeno vai criando forças próprias, unindo-se também a outros gigantes para desenvolvimento de competências nucleares (core competencies), especialmente na área de operações.

2. Suporte Teórico

No passado, os gerentes de produção ignoravam o uso das operações como recurso competitivo, não participando de decisões relativas à parte estrutural da empresa: localização, tamanho e escopo de suas plantas, gestão da força de trabalho e administração de materiais. Os gerentes de produção eram "vigilantes de ativos intensivos em capital e não se posicionavam como arquitetos de sistemas competitivos". (Skinner, 1995 a).

Atualmente faz parte das atividades do gerente de produção, o desenvolvimento e implementação de estratégias de operações para suas unidades de negócios. Neste novo contexto, ele deve ocupar-se da inovação em processos, buscando ajustes no fluxo de trabalho, tendo em vista uma maior aderência do fluxo de materiais ao fluxo de informações (Hayes & Jaikumar, 1995).

Para tal, é necessário que haja condições para comunicação entre gerentes e divulgação para toda a organização (empregados, consumidores, acionistas, fornecedores, etc...) da missão que a manufatura desempenha na busca de vantagem competitiva para a empresa.

Esta divulgação viza obter de todos, o comprometimento com a missão declarada. O encorajamento da comunicação interfuncional entre projeto de produto e engenheiros de processo, entre P&D, gestão da qualidade e pessoal de "chão de fábrica" facilita os processos de inovação do produto e melhoria no desempenho. Também as atividades a jusante devem associar-se às atividades do chão de fábrica. O pessoal da manufatura deve apoiar o pessoal de vendas, de serviços de assistência técnica e estar próximo dos consumidores. Isto é viabilizado se são oferecidas condições para efetivação destes compromissos. Os gerentes devem entender as fraquezas e as forças na estrutura de manufatura existente. Com este conhecimento poderá focar o que atacar e traçar plano de ação específico. A seleção de opções para ação e definição de metas para melhoria de desempenho é fruto da reengenharia de processos críticos, seja de plantas e/ou equipamentos. A realização de benchmarking com rivais e entre plantas individuais leva a identificar gaps de desempenho, que possam vir a ser atacados (McGrath & Hoole, 1992). Deve-se buscar rapidez e flexibilidade de atendimento aos parceiros de negócios e consumidores, suprimento global e padronização de processos nas diferentes unidades.

A criação de linguagem de gerenciamento comum e universal facilita a coordenação de práticas de trabalho e planejamento e gestão de sistemas de medição de desempenho para toda a organização. Sistemas de comunicação mediados por computador (redes locais e remotas, groupware, EDI) oferecem conectividade com vendedores, entre profissionais de diferentes funções da empresa, entre instalações distantes, etc.. São ferramentas facilitadoras para agilizar e aumentar a acuracidade das informações. Com isso, é possível racionalizar as operações a nível da corporação e não individualmente para cada departamento e/ou planta. Qual seja, a integração na empresa deve dar-se não apenas visando a quebra de fronteiras entre as funções, mas também a existência de um mercado global, embora segmentado. Assim, o movimento em direção a integração, implica necessariamente em um processo de mudança, filtrando-se por toda a organização e incluindo inovações em todas as funções da empresa e entre diferentes unidades da corporação.

Propõe-se, aqui, para comparar as cervejarias do Brasil, a adoção do esquema analítico apresentado por Wheelwright e Hayes(op. cit.). Neste, a função de operações desempenha diferentes papéis e oferece distintas contribuições para a estratégia global da organização. Estes autores identificaram quatro estágios num continuum (tabela 1).

Tabela 1: Os quatro estágios de Wheelwright e Hayes

Características

Estágio 1

Estágio 2

Estágio 3

Estágio 4

Função da Manufatura

internamente neutra

neutralização de concorrentes

suporte à estratégia de negócios

vista como vantagem competitiva

Mudanças na estratégia de operações

Especialistas externos

Busca paridade com principais concorrentes

Investimentos são consistentes com estratégia de negócios

Manufatura é tratada como recurso estratégico

Gestão de Recursos Humanos

Pouca importância a política de RH.

Resposta à representação de interesses trabalhistas.

Estratégia de negócios transmitida ao pessoal da manufatura

Valorização de Recursos humanos como ativos.

Gestão da Mudança Tecnológica

Desenvolvimento tecnológico adquiridos fora. Melhorias incrementais de processos.

Investimentos em novos equipamentos e instalações, como meio para ganhar vantagem competitiva.

Progresso tecnológico - com seqüência cuidadosa de investimentos, como resposta a mudanças na estratégia do negócio e na posição competitiva.

Encoraja desenvolvimento interativo do negócio, da manufatura e das demais estratégias funcionais

Planejamento

Pouco reativo e flexível

Horizonte de ciclo de negócio para adquirir competência reativa.

Visão de longo prazo, vinculando manufatura com outras partes da organização.

Programas de longo prazo para adquirir competência pró-ativa

Gerência da Pr

odução

Sistemas internos e detalhados para monitoramento de desempenho

Economias de escala como principal fonte de eficiência na manufatura

Sistematização de sistemas e procedimentos.

Atividades estruturais e de infra-estrutura como fontes de melhoria contínua e vantagem competitiva

Cada estágio caracteriza o papel da manufatura no desempenho competitivo da empresa: desde um papel neutro, de simples minimização de impacto negativo (estágio1), até o outro extremo (estágio 4), no qual a estratégia competitiva da organização está grandemente apoiada na manufatura. Mais do isso, os autores observam que, num extremo, a produção oferece pequena contribuição para o sucesso de mercado da empresa, enquanto, no outro, representa uma força central de vantagem competitiva. Os autores chamam atenção para as dificuldades que as empresas têm para mudar de estágio. Haveria maior facilidade para um novo negócio iniciar suas operações em qualquer estágio, do que uma unidade que já estivesse em operação. Esta dificuldade é justificada porque as atitudes e procedimentos estão muito arraigados na cultura organizacional, sendo necessário grande esforço para mudanças.

Para ter-se uma associação estreita entre operações regionais e a administração corporativa, entre estratégia de manufatura e estratégia dos negócios é necessário manter um processo ativo e efetivo de conhecimento de toda infraestrutura de produção. Deve-se ter as plantas estreitamente integradas, embora os sistemas de produção possam ser distribuidos geograficamente. Este é o caso da empresa analisada.

3. O contexto da indústria cervejeira brasileira

A Indústria e o mercado cervejeiros brasileiros representavam, até a década de 80, um dos exemplos mais típicos de oligopólio homogêneo altamente concentrado, com duas grandes dominando mais de 80% do mercado nacional. O fortalecimento de concorrentes - muitos dos quais operando regionalmente, era respondido com a aquisição do mesmo pelas grandes cervejarias.

Este padrão de competitividade na indústria cervejeira do Brasil vem sendo alterado desde o final da década de 80. O fator indutor foi a aceleração da mudança tecnológica, especialmente em processos. Skinner (1995 b) já destacava a importância desta mudança, ao observar que a inovação tecnológica de equipamentos e processos de produção "são poderosos motores de mudança", induzindo a ajustes no fluxo de trabalho, nas habilidades fundamentais, nos sistemas de informação, de controle de estoques, de administração de materiais e de recursos humanos. No caso em foco, as mudanças mais profundas resultaram na automatização de processos fabris e gerenciais (processos administrativos internos e externos à empresa).

Assim, com a emergência dos novos paradigmas tecnológicos, a situação na indústria começa a sofrer as primeiras mudanças. Pequenas cervejarias - adotando desde a concepção dos projetos de suas plantas, novas e homogêneas tecnologias de processo e estratégias de operação baseadas na inovação e diversificação de produtos - ganham competitividade crescente. As duas grandes do setor cervejeiro nacional adotam mudanças internas profundas e realizam grandes investimentos em inovação tecnológica. Destaca-se, neste sentido, o esforço da Brahma em ter a informação como arma competitiva (Mariano & Dias, 1996). Nestas empresas a existência de plantas com idades díspares, devido a incorporação das plantas adquiridas, resulta na coexistência de processos tecnológicos heterogêneos na organização. Esta realidade impõe uma maior dificuldade de coordenação de toda infraestrutura de produção.

Vale lembrar que um elemento facilitador das mudanças tecnológicas foi a parceria que as cervejarias nacionais estabeleceram com gigantes da indústria cervejeira internacional: a Antarctica aliou-se a Anheuser-Busch, fabricante da marca Budweiser, a Brahma com a Miller Brewing Co., dona da segunda marca mais vendida nos EUA, atrás apenas da "Bud". Esta foi uma característica comum que a "pequena" Kaiser teve com as grandes: estabelecimento de parceria com a Heineken holandesa.

4. Uma empresa inovadora na indústria cervejeira

A primeira fábrica de cerveja, é montada em Divinópolis (MG), com tecnologia assimilada da Heineken holandesa, na pessoa de um mestre cervejeiro. Embora a tecnologia seja originária de outro país, esta transferência é realizada via parceria.

A principal inovação introduzida pela Kaiser, no apoio à comercialização de seus produtos, está contida na própria estrutura societária da empresa. O que lhe assegura um potencial de competitividade capaz de equiparar-se a seus dois concorrentes mais fortes, é a garantia da presença do produto nos mais diferentes pontos de distribuição do país. Isso foi possível desde os primeiros tempos da empresa (1982) quando, por iniciativa do fundador, foram convidados, como sócios, alguns engarrafadores da Coca-Cola no Brasil. Desta forma, a malha de distribuição do refrigerante foi aberta à cerveja.

Assim, desde o início, a Kaiser usa a sua capacitação em logística como estratégia competitiva para a abertura de novos mercados e a qualidade como garantia para fabricação de seu produto.

A escolha dos parceiros visou a capacitação da Kaiser, não apenas para desenvolvimento de core competence, mas pelo que representava para a criação de valor para a empresa (Bleeke & Ernst, 1995). A parceria com a Heineken propiciou acesso a novos produtos e tecnologias com o mínimo de investimento. A parceria com engarrafadores da Coca-Cola possibilitou a participação em mercados geográficos comuns, a aquisição de habilidades funcionais, mesmo com negócios centrais complementares (produção e distribuição). Assim, a parceria da Kaiser com duas grandes (Heineken para P&D e Coca-Cola para distribuição) fortalece o seu posicionamento, usufruindo da sinergia resultante da consolidação e sobreposição da competência individual de cada uma (produto e posição no mercado).

Em sua trajetória, a Kaiser continua a pautar seu posicionamento em atividades estruturais e de infra-estrutura como fontes de melhoria contínua e vantagem competitiva. A empresa busca localizar instalações para atendimento dos novos mercados que emergem no país. Conforme amplia seu mercado, aumenta sua capacidade de produção para atendê-lo, agora buscando minimizar custos logísticos de distribuição. Investe na aquisição de uma fábrica, em Mogi-Mirim (SP), a Cervejaria Mogiana, então fabricante da marca Inglesinha. Constrói outra unidade no Estado do Rio de Janeiro, município de Queimados, mantendo o mesmo padrão tecnológico da primeira unidade estabelecida. Constrói duas outras unidades, em Jacareí (SP) e em Gravataí (RS). Já na década de 90, ergue a sexta unidade, em Feira de Santana (BA). Em 1995, começa a operação de sua unidade de Araraquara (interior de SP) e em 1996 a operação de sua unidade de Ponta Grossa (interior do Paraná). Alcança, no início de 1996, significativo crescimento em sua participação no mercado, chegando a 16,4 % das vendas nacionais e o primeiro lugar na Grande São Paulo, com 28,6% do mercado.

4.1. Elementos da Estratégia de Operações

Propõe-se, neste estudo, para efeitos analíticos, a fragmentação da estratégia de operações da Kaiser em quatro elementos: um correspondente à política de produtos; o segundo, à logística, especialmente de distribuição; outro, corresponde à estratégia de manufatura propriamente dita, envolvendo processos, equipamentos e instalações; o último, referente à adoção das tecnologias de informação e de telecomunicações.

Produtos

Um aspecto importante da estratégia de operações da empresa é a sua preocupação permanente com a inovação em produto. Prova disso é que em seus quatorze anos de existência já lançou mais de quarenta produtos, com média de três lançamentos por ano. A diferenciação do produto se dá pela receita e apresentação (embalagem e conteúdo) e busca por distintos segmentos de mercado.

Apoio aos canais de distribuição

A aliança societária com engarrafadores da Coca-Cola disponibilizou à Kaiser um mecanismo inovador na estrutura de distribuição de cervejas: a emissão e transmissão automática de pedidos. Permite-se, assim, uma maior rapidez e agilidade na programação da produção e no próprio atendimento aos clientes (pontos de venda).

O exemplo dos resultados alcançados na Grande São é ilustrativo da importância que assume a forma como está estruturada a distribuição. Nessa região a distribuidora da Kaiser é a empresa Spal Pananco Indústria Brasileira de Bebidas S/A, responsável por 25% do total nacional de vendas da Coca-Cola. Seus vendedores saem com um micro-terminal, coletor de dados, onde registram os pedidos, após a verificação do volume de estoques existente no cliente, do cadastro e seu histórico de pedidos. Com base nessas informações, pode sugerir ao cliente a quantidade a ser pedida. Os pedidos coletados durante o horário comercial são transmitidos eletronicamente para uma central de processamento da distribuidora. Esses dados municiam a programação das entregas, feita por roteirizador (software que traça as rotas de entrega), de forma a otimizar o volume de carga por tamanho de veículo e necessidade dos clientes.

Outra iniciativa da Kaiser é de automação das forças de vendas (SFA - Sales Force Automation), aplicado aos representantes comerciais das unidades. Estes representantes alimentam o sistema de informações de mercado, via conexão eletrônica, às redes de telecomunicação da empresa (vide abaixo). Esta conexão, via notebooks, substitui o telefone e o fax como canais de comunicação. Isto confere maior autonomia e dinamicidade no exercício de suas atividades (empowerment), quebrando a centralização hoje existente nos gerentes comerciais das unidades. Com esta mudança cada representante comercial passa a ser responsável pelo gerenciamento de seu desempenho nas vendas da região sob sua alçada. Há centralização das informações e descentralização das responsabilidades. Os dados sobre o desempenho de vendas e o movimento comercial de cada distribuidor é desagregado em nível detalhado e on-line. Os resultados desta análise tem influência direta no orçamento que cabe a cada representante. Isto leva a uma maior transparência na análise de desempenho, facilitando o apontamento de responsabilidades individuais e agilizando o encaminhamento de soluções frente a distorções que venham a ser detectadas. Como consequência espera-se um enxugamento no número de representantes comerciais. Aos que permanecem, exigir-se-á melhor qualificação e responsabilidade por uma região mais ampla e/ou com maior densidade de vendas, com consequente aumento da produtividade individual.

Além das inovações na estrutura de distribuição, a empresa busca inovar nos pontos de venda a varejo. Exemplo típico é o caso do desenvolvimento, pelo Centro de Tecnologia da Kaiser, de máquinas automáticas para venda de cervejas.

Processos

Para as primeiras unidades, o vetor transmissor da tecnologia foi um cervejeiro com experiência na montagem de fábricas para a cervejaria holandesa. O processo de transferência do conhecimento tecnológico passou a ser institucional a partir da associação da Heineken à Kaiser (possui, hoje, 14% das ações). Essa dependência externa em tecnologias de processo e equipamentos é própria do estágio 1 (v.tab.1).

Um dos mecanismos encontrados pela Kaiser para reduzir essa dependência é seu processo de aprendizado organizacional: as inovações introduzidas em uma planta são, à medida da compatibilidade tecnológica, incorporadas às plantas anteriores. Serve também, para melhoria nos projetos de futuras instalações A unidade de Araraquara é tida pela direção da Kaiser como uma fábrica modelo, piloto, onde as tecnologias e sistemas inovadores são experimentados e testados, para posterior difusão para as outras unidades. O benchmarking aplicado às velhas instalações garante, não só uma melhoria nos processos operacionais, como ainda uma progressiva homogeneidade tecnológica e, fundamentalmente, uma melhor capacitação de seus recursos humanos. Esta última preocupação é própria de empresas no processo de transição do estágio 3 ao 4.

Tecnologias de Informação e Telecomunicação

A Kaiser faz das Tecnologias de Informação e de Telecomunicações elementos centrais em suas estratégias de operações e de negócios, aumentando a confiabilidade e agilização de processos. Conta, para isso, com redes de transmissão e troca de informações, buscando a automatização nos procedimentos administrativos nas suas unidades, a integração e coordenação entre as unidades e com a matriz e a integração e rápida comunicação com os distribuidores e clientes. Ao implantar suas redes, a empresa está caminhando em direção à estrutura da "fábrica virtual", conforme descrita por Upton e McAfee (1996). Dispõe de redes locais e remotas (LAN - Local Area Network’s e WAN - Wide Area Network) integrando cada uma de suas sete unidades com a matriz e está conectada à Rede mundial, com home page para divulgação de sua marca e contato com consumidores.

Suas redes de telecomunicações disponibilizam informações referentes às atividades e operações de cada unidade: níveis de estoques de insumos, programação de produção, volumes em produção, entregas programadas, desempenho nas vendas e outras. A rede remota (WAN) é gerenciada por um groupware (aplicativo para trabalho em grupo), o GroupWise 4.1a (implantada em julho de 1996). Esta ferramenta juntamente com o software Workflow permitem comunicação rápida entre as unidades e a matriz, com a eliminação da circulação física de documentos, tais como formulários, pedidos, faturas e outros. Também a guarda de papéis é eliminada pelo arquivamento eletrônico. A organização e sistematização das informações oriundas de diferentes fontes são feitas por um Data Warehouse. Este é um sistema inteligente de busca, recuperação e tratamento de informações para suporte às decisões de nível gerencial (Alves, 1997). Agregando dados das diferentes unidades de produção e dos diferentes mercados, este sistema disponibiliza indicadores de desempenho da organização, agilizando o processo de decisão a nível estratégico e operacional.

Outra ação inovadora na indústria foi a implantação da linha 800, criada para funcionar como canal de comunicação com o cliente final.

Pelas informações obtidas, a Kaiser encontra-se num estágio bastante avançado de integração na cadeia de suprimento de seus produtos, particularmente à jusante. No que diz respeito, contudo, à interligação com seus parceiros externos à montante - fornecedores, o processo é caracterizado apenas por suprimento global a todas as unidades, principalmente de insumos importados. Ainda não existem ações concretas para a integração em rede.

4.2. A Unidade de Araraquara

De acordo com informações fornecidas pela própria empresa, esta unidade é considerada uma das mais modernas cervejarias do mundo, operando com equipamentos e soluções tecnológicas de última geração. Da recepção da matéria prima até a expedição do produto já engradado, todas as etapas são controladas por computadores. Até final de 1996 era a única cervejaria totalmente informatizada do Brasil.

As operações da unidade dividem-se em cinco processos, descritos na tabela 2.

Tabela 2: Operações na Kaiser - Unidade de Araraquara

A primeira corresponde à preparação do processo produtivo. Compreende a captação, análise e eventual correção das características físico-químicas da água; a recepção e análise amostral das matérias primas - malte, lúpulo e cereais não maltados; o controle dos estoques das matérias primas. O controle computadorizado está presente em todas as atividades nesta etapa;
A segunda compreende o processo produtivo em si. Envolve o beneficiamento do malte, a preparação das receitas (mosto), a fermentação, a maturação e a filtragem. O processo e seu controle são totalmente automatizados. Apenas 9 funcionários, distribuídos em três turnos de trabalho e todos com segundo grau completo, conduzem e controlam integralmente o processo;
A terceira, uma etapa auxiliar, também totalmente computadorizada, dá suporte ao funcionamento dos equipamentos da unidade e permite o controle do chamado sistema de utilidades, ou seja, apoio ao processo produtivo: instalações para geração de vapor, ar comprimido, gás carbônico e resfriamento;
A quarta etapa é a do engarrafamento. Envolve a lavagem e esterilização das garrafas, o envasamento, o arrolhamento, a rotulagem e o acondicionamento para a expedição. O processo é controlado por sensores inteligentes, capazes de detectar eventuais irregularidades em diferentes pontos da linha, quando são emitidos sinais para adoção de medidas saneadoras;
Finalmente a última etapa é a da expedição, quando são preparados os lotes para a distribuição. Os lotes são despachados imediatamente ao término de seu preparo.

A incorporação dessas tecnologias exigiu a adoção de uma política de recursos humanos, pela qual cerca de 90% do quadro de pessoal da unidade possui, no mínimo, curso técnico de segundo grau. Mais do que isso, é parte da filosofia de trabalho da unidade a formação de operadores multifuncionais, habilitados à operação e manutenção dos equipamentos, assim como para o controle de qualidade nos processos.

5. Conclusão

O sugerido é que as grandes cervejarias brasileiras estariam nos primeiros estágios do continuum proposto por Wheelwright e Hayes (tab 1). Neste caso, a resistência às mudanças seriam maiores, dado seu patrimônio tecnológico e instalações terem sido formados por pacotes adquiridos e as atitudes gerenciais serem tipicamente top-down. Admite-se que unidades de grandes cervejarias brasileiras possam estar em estágios mais avançados, contribuindo para "alavancar" a organização como um todo.

No outro extremo, mais próximas aos estágios 3 e 4, estariam as cervejarias mais novas, como a Kaiser. A atualização tecnológica das plantas já existentes é feita com menor ruptura de estruturas. As mudanças são progressivas e encontram menor resistência, seja nos níveis diretivos e gerenciais, como nos operacionais. Atribui-se maior importância à estratégia das operações.

Sua política de difusão de inovação entre as diferentes unidades, aliada à preocupação permanente com a capacitação dos recursos humanos e com a crescente adoção das Tecnologias de Informação, revela uma postura própria de uma organização do conhecimento (learning organization). Esta atitude dá suporte ao desenvolvimento interativo do negócio, da programação conjunta de operações pelas diferentes plantas, para apoio à execução dos planos de ação definidos pela estratégia de marketing a nível nacional.

Essas características reforçam a proposição, já formulada anteriormente, de que a Kaiser é uma empresa cuja estratégia de operações está focada na busca contínua de uma aproximação ao estágio 4 de Wheelwright e Hayes. É o que se procurou demonstrar.

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